Brynden Sand(Fender)
O salão de conferência do castelo dos Martell em Lançassolar estava abarrotado de gente. O bastardo do Lorde Loras Martell, Brynden Sand, acabara de ser absorvido das acusações de violação de túmulo e sacrifício de seres humanos, graças ao poder de seu pai.
Os parentes das vítimas e acusadores saíram cabisbaixos do salão sem acreditar que o monstro a quem chamavam de víbora vermelha continuaria livre. Mesmo ser mandado para a muralha se mostrava pouco perto do que ele merecia.
As algemas da Víbora foram libertas e ele esfregou os pulsos vermelhos. O rapaz de 26 anos tinha a pele típica de um Dornês; morena acobreada, uma coisa bela. Seus cabelos eram um hirsuto matagal prateado que lhe caía sobre os ombros, sua barba era negra e estava por fazer, e seus olhos... seus olhos eram do púrpura mais abissal; profundos e acuadores.
Lorde Loras Martell chamou seu filho até seu cadeirão de Senhor. O rapaz se aproximou e ficou de joelhos.
- Você fez coisas terríveis contra meu povo. Não sei oque aprendeu para-lá-do-mar-estreito, nas Ruínas da Antiga Varília e em Asshai. Com aqueles povos de costumes estranhos aos nossos, mas você mesmo bastardo é sangue do meu sangue, então não posso permitir que o executem ou o mandem para a desolação da Muralha. – o Lorde falou colocando a mão em seu ombro. – Dar-te-ei uma chance de mostrar seu valor. Nasceu da areia, filho. Nosso símbolo é a lança trespassando o sol.
- Teu símbolo, pai. – Brynden interrompeu-o, ainda fitando o chão. – Sou um bastardo, não um Martell.
- É meu filho. Meu primogênito, mesmo não sendo legítimo. Portanto fará oque é de se imaginar que um filho deve fazer.
- Se assim deseja. –
Velho, Dorne ainda será minha. – O que deseja de mim, pai?
- Darei a liderança de uma tropa. Sessenta homens. Chame-os como quiser, dê-lhe as ordens que quiser, mas deve marchar para o Norte, contra o Senhor da Campina.
Sessenta homens contra Jardim de Cima? Esse velho enlouqueceu., Brynden pensou sem mostrar o quão alarmado estava. Fez-se de honrado.
- Obrigado pai. Será uma honra marchar sob seus estandartes e comandar homens seus. –
Está me mandando para morrer., ele compreendeu de súbito enquanto proferia aquelas falsas palavras.
Fui condenado, só não me avisaram ainda. - Que bom que aceitou.
Aposto que não é como se fosse me dada a escolha de recusar., a Víbora pensou antes de proferir as palavras que acabara de planejar. Talvez saísse algo de bom daquilo.
- Pai, se lhe trouxer a cabeça do Senhor da Campina, tudo que lhe peço é que me dê seu nome. Quero ser um Martell, tal com tu e meus irmãos e irmãs.
O velho Lorde Loras pareceu preocupado com a sugestão do bastardo. Olhou-o de cima a baixo. Fitou aqueles olhos púrpuros que eram cegos a qualquer tipo de bondade e misericórdia. Procurou a mentira e a encontrou; Brynden não era o tipo de esconder sua verdadeira intensão por trás de sorrisos e gracejos, deixava-a exposta em seus olhos para quem quisesse ver; mas o velho Lorde pouco tinha a fazer em relação àquilo, e por fim assentiu.
- Terá meu nome assim que voltar da batalha com a cabeça do Senhor de Jardim de Cima. Proclamar-te-ei um Martell em frente a todos Senhores meus vassalos, e mandarei uma carta ao Rei.
- Sendo assim, não me demoro em voltar. – Disse Brynden com um sorriso zombeteiro, dando as costas e saindo do salão.
O castelo dos Martell em Lançassolar era uma enorme construção marrom e dourada. Todas as torres tinham vista para o mar e em todos os tapetes e cortinas o sol trespassado pela lança era exibido, forte e incólume.
Brynden saiu do salão para o arsenal, para falar com o mestre de armas do castelo.
- Meu pai vai me mandar para a guerra. Pede que me dê sua melhor lança e sua melhor armadura.
O mestre de armas fita bem à víbora. A filha do homem havia sido uma das vítimas do bastardo impetuoso.
- Isto é tudo oque Lorde Martell disse pra te dar. – e colocou uma armadura marrom de couro fervido sobre uma mesa de trabalho, um meio elmo de ferro amaçado e uma lança curta.
- Está zombando de mim? – Brynden fitou incrédulo seu equipamento. – Dê-me o melhor!
- Ordens são ordens, bastardo. – disse o mestre de armas virando as costas e saindo.
Brynden olhou-o partindo lentamente. Seus olhos mostravam a raiva que sentia. Pegou a lança curta, sentiu o peso jogando-a para o ar umas três vezes e mirou nas costas do velho armeiro.
Certeiro.
Depois abaixou a lança, colocou seu couro fervido sob o braço e saiu para o pátio, para encontrar seus homens.
Você morrerá. Mas antes tem de me ver virar Lorde Brynden Martell. O pátio do castelo estava abarrotado de barracas. Quatrocentos homens se despunham em diversos pavilhões; um com cento e quarenta, dois com cem e um com sessenta. No outro canto, uma enorme tenda havia sido armada e dentro dela estavam seus três irmãos; Sor Jon Martell, o primogênito dos filhos legítimos de Lorde Martell, Ryan Martell, o terceiro depois de Brynden e o mais novo dos filhos homens, Bran Martell, com dezesseis anos.
Brynden foi para dentro da tenda ter com seus meio irmãos. Ryan e Bran ainda acenaram com a cabeça, mas Jon se mostrou bem menos amistoso.
- O que este bastardo faz aqui? Ele deveria estar sendo executado, ou mandado para a Muralha. – disse Jon ao ver Brynden.
- Também estou feliz em te ver, irmão. – Brynden respondeu com seu mais frio sorriso.
- Papai está te mandando para morrer. – Jon falou se aproximando da víbora. Ficou cara a cara com o bastardo, encarando-o nos olhos. – Ele só te deu sessenta homens, é claro que não espera que você volte vivo.
Brynden olhou Jon com um ar de despreocupação e se sentou ao lado do irmão Ryan.
- Todos nós morreremos. – falou ele. – Quatrocentos homens são de longe uma quantidade pequena para tomar Jardim de Cima. – olhou para Bran, o mais novo, que já tremia muito antes de toda aquela conversa começar. – Acho que Lorde Martell tem preferência pelas filhas. Elas devem se mostrar bem mais valentes em batalha. – e sorriu.
- Quem é você pra falar, víbora? – Ryan interveio. – Nunca esteve à frente de um exercito.
- Mas já estive de frente com piradas, Saltimbancos, bruxas e criaturas que vocês nunca imaginaram ver. Já fui ter com os mortos e eles me mostraram como dançar corretamente com uma lança. Estive em Asshai e aprendi a fazer venenos, cozê-los da forma correta, misturá-los e criar novos. – fez uma pausa dramática, pôs-se de pé e voltou a falar, fitando sombriamente cada um de seus irmãos. – Aprendi com bruxas o real poder que o sangue humano tem...
- Então volte para Asshai, aqui não tem utilidade nenhuma, a não se que precisemos de um homem louco que pensa que beber sangue o torna mais forte. – falou Jon, e Bran tremeu.
- Mais forte e mais destemido, tanto que ficarei com o comando das tropas. Marcharemos juntos amanhã.
O mais velho dos filhos legítimos fitou a víbora com incredulidade.
- E quem você acha que é pra nos liderar, bastardo?
- O mais velho de quatro filhos homens. – Brynden respondeu inexpressivo.
- Tem seus sessenta homens, lidere-os e só. – Jon falou andando novamente até a víbora. Dessa vez deu-lhe um encontrão. – Eu liderarei o resto das tropas.
Brynden se afastou levantando as mãos e sorrindo.
- Calminha irmão. – ele falou. – Vamos lá pra fora. Resolveremos isso na ponta da lança.
Saindo da tenda, Jon vestiu uma cota de malha esmaltada com as cores da areia do deserto, pegou uma espada de uma mão e um escudo e foi para o centro da roda que os soldados abriram para afastar aqueles que poderiam atrapalhar. Brynden olhou toda aquela preparação e sorriu. Vestiu a proteção de couro fervido que tinham lhe reservado e pegou a lança.
Pelo menos respeito às tradições da família., pensou rodando a lança no nó dos dedos.
Que Seth me dê forças. Jon foi o primeiro a brandir sua arma contra o oponente. Brynden viu o golpe vindo lateralmente contra seu rosto e esquivou se abaixando, girou a lança com agilidade e arremeteu contra o pé de seu irmão, mas ela desviou no aço da armadura.
Tenho que achar as juntas., ele teve um lampejo, sentindo-se um idiota por se esquecer de como se luta contra homens de armadura pesada. Sua armadura de couro era leve e lhe dava liberdade para esquivar e atacar com velocidade, já a de seu irmão era pesada demais, e tudo o que tinha para lhe proteger das investidas diretas da lança era o escudo de carvalho que ele usava no braço esquerdo.
Jon lançou outro golpe contra a víbora; uma estocada na altura do umbigo; Brynden saltou para trás perdendo o equilíbrio e Jon avançou novamente, empurrando o bastardo com o escudo. Brynden cai, e Jon cai sobre ele largando o escudo e tentando cegamente apunhalar o meio irmão com a espada, segurando-a com as duas mãos, mas a víbora é mais rápida e rola para o lado, pondo-se de pé. Agora a luta mudara completamente a seu favor. Jon estava ajoelhado no chão, tentando tirar a espada que ficara presa no solo arenoso e Brynden estava sobre ele com a lança bem levantada no alto, pronto para enfiá-la na junta do gorjal, no pescoço do herdeiro de Dorne...
... quando Lorde Loras Martell aparece nas escadarias que davam para o pátio.
- Parem já com isso! – sua voz ecoou como trovão e Brynden se afastou, dobrando o joelho em seguida.
- Perdão pai, era apenas um jogo para decidir quem lideraria as tropas durantes as marchas. – o bastardo falou fitando o chão. Esperava com sinceridade que ninguém visse o largo sorriso em seu rosto. Jon acabara de se levantar e estava tirando o elmo.
- Dei homens a todos. Cada um com sua tropa. Marchem individualmente, unam-se a quem quiserem, mas não se matem antes de chegar a Jardim de Cima!
- Sim senhor. – os filhos responderam em uníssono.
- Dispensados! – E os homens de dispersaram.
Brynden caminhou até seus homens. Mesmo nisso seu pai tinha sido cruel. Eram todos velhos, ou crianças de verão que nunca sequer tinham pêgo em armas. Alguns poucos eram homens feitos. Uns tantos paladinos, outro tanto de arqueiros e magos e uma porção maior de lanceiros. Todos velhos, aleijados ou crianças.
A víbora teve de rir.
- Homens! – ele gritou subindo em um barril de vinho. – Você são víboras como eu! – os homens se viraram para seu comandante. – Vestem couro fervido, e lhes foram dadas armas enferrujadas. Estamos indo para lá para surpreender! Vamos surpreendê-los todos! Vamos matar aqueles homens da campina, queimar seus campos, estuprar suas mulheres e roubar seus tesouros. Essas serão nossas honrarias! – respirou fundo e suspirou. – E vamos voltar vivos! Sabem por quê? – os sessenta homens estavam atônitos. – Porque somos víboras! Nós surpreendemos a todos!
E ouviu-se um clamor. Sessenta homens gritando e batendo suas armas no chão:
Víbora, víbora, víbora, víbora. Vivas à víbora vermelha de Drone. A gritaria chamou a atenção dos homens dos outros pelotões, que começaram a olhar com olhos curiosos toda aquela aclamação.
Agora vem o outro passo, pensou a víbora indo na direção do pavilhão de Bran, o mais novo dos irmãos.
Na maior barraca estava o garoto de cabelos castanhos. Uma concubina enviada pelo pai lhe fazia massagens nos pés para aliviar o estresse, e o garoto parecia já bem mais calmo.
- Irmão! – Brynden gritou entrando abruptamente na tenda.
Bran já começou então a tremer.
Começo a achar que sou eu quem lhe assusta. - Quem honra tê-lo em minha tenda... irmão. – Bran falou, estendendo uma mão trêmula.
- Ah, finalmente alguém que não me chama de bastardo. – e puxou a mão de Bran pra lhe dar um abraço. O garoto pareceu relutante, mas não lutou.
- O que quer falar comigo?
- Vim lhe fazer uma proposta.
- Diga.
A víbora então pensou na forma certa de falar. Bran era um rapaz covarde e verde, mas era um Martell, portanto se ofenderia com facilidade.
- Venho lhe propor que se junte a mim.
- O quê?
- Que junte suas forças às minhas. Marche ao meu lado. Seus cento e quarenta homens completa os meus sessenta. Assim, prometo que nada lhe acontecerá na batalha.
- Toma-me por tolo, irmão? – os tremores de Bran agora eram de raiva.
O tomo por covarde, Brynden pensou em dizer, mas em vez disso pôs a mão em seu ombro e disse:
- Tomo-o por um irmão. O mais honrado de três. Se há alguém que quero ver sair bem dessa batalhe, é a ti.
Bran pareceu surpreso com a resposta e enrubesceu. Passou a fitar o chão.
- Seria ótimo me juntar a ti. Mas meus irmãos me odiariam.
- Jon o odiaria. Ryan é sempre neutro.
- Jon é o herdeiro. E Ryan, depois dele. Se eles me odiarem o que será feito de mim quando um deles assumir o trono?
O trono será meu, tolinho. - Entendo. Pois bem, se mudar de ideia, venha ter comigo em minha tenda. O receberei de braços abertos. – e começou a andar em direção à porta da tenda, parando abruptamente. – E moça – olhou para a concubina. – trate bem do meu irmão esta noite. Amanhã ele parte pra guerra, um jovem não deve morrer sem saber das coisas.
Do lado de fora o sol já se punha. Brynden tinha apenas uma última tentativa. Caminhou até o pelotão de Ryan e entrou na tenda. Ele repassava alguns mapas para seus capitães, mostrando-lhes os desertos, pelo visto ainda não tinha lhe ocorrido que todos os outros eram veteranos de guerra e apenas ele nunca havia ido a uma batalha.
- Irmão! – gritou entrando na tenda. – Posso ter uma palavrinha com você?
Ryan assentiu, acenando para que seus capitães saíssem.
- O que quer bastardo?
- Ah, você não é gentil falando assim comigo.
- Diga o que quer, não tenho a noite toda.
Brynden então tirou o sorriso da face. Fitou o irmão do meio com olhos duros como pedras púrpuras. Rodou-o uma, duas, três vezes como que o avaliando e se sentou, atrás da mesa dele.
- Você serve bem.
- Para o quê? – Ryan quis saber. Estava começando a ficar assustado.
- Para governar Dorne. Sempre preferi você ao seu irmão Jon.
Aquilo pegou Ryan de surpresa.
- O que quer dizer com isso?
- Exatamente oque disse. – Brynden respondeu – Estou dizendo que prefiro um Martell que não me odeia no comando a um que me odeia. Sou o mais velho de quatro filhos homens, mas sou bastardo e minha pretensão vem depois de irmãs, tios e primos. Irmão, conto que você é o melhor para governar quando nosso pai se for, mas se tiver que ser Jon... Bem, temo por Dorne.
- Por que diz isso? – Ryan perguntou afagando a fina barbicha que lhe crescia sob o queixo.
- Jon foi feito refém em Jardim de Cima por dez anos. Isso fez com que ele ficasse mole. Você o viu hoje. Ele esquece a lança de bronze pela espada de aço. Ele esquece nossos costumes. Tem de ser um verdadeiro Martell a governar Dorne, não um criado pela flor!
Ryan assentiu no mesmo instante. Coçou a cabeça, balançou-a como que se o pensamento que lhe passava pela cabeça o perturbasse, mas por fim falou:
- E o que pretende fazer?
- Dê-me sua ajuda, e prometo que nosso irmão não poderá levantar sua pretensão quando nosso pai morrer.
- E como posso ter certeza?
- Ora, sou uma víbora. É o bastante para te fazer acreditar.
- Certo. – Ryan disse. – Te dou metade dos meus homens. Não quero que Jon volte vivo dessa batalha. Dorne precisa de um Martell não é?
- Sim.
- Então quem melhor que eu?
Brynden sorriu.
- Sim.
- Vá. Escolha os homens que quiser. São seus.
- Obrigado irmão. – e eles deram as mãos.