LIVRE PARA TODOS OS PÚBLICOS
Gêneros: Ficção e Fantasia
Aviso legal
Todos os personagens desta história são de minha propriedade intelectual, sendo vedada a utilização por outros autores sem minha prévia autorização.
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Capítulo 1 - Capítulo único
Hoje acordei me sentindo estranhamente bem. Segunda - feira e eu cheia de energia. Será que estava doente?
Antes do despertador, pulei da cama. Ou melhor, me joguei no chão. Era frio, mas nem me importei.
Fiquei observando o teto do meu quarto lá de baixo (ficar deitada no chão não era coisa que eu fazia toda hora), e ele me pareceu estranho. Era como se eu fosse uma criatura minúscula, olhando tudo lá de baixo.
- Bommie, o que você ta fazendo aí nesse chão frio, minha filha?
-Eu sou uma formiga mamãe. Cuidado para não me pisotear!
- Vou chamar a sua avó pra tirar uma foto, vem cá. A Bom se transformou num inseto!
- Formiga!
- Que seja! Menina, não deixa a cachorra lamber sua boca, Clarinhaa, para! Raquel venha ver sua irmã inseto!
- Sou uma formiga, Mãe!
- Oh, minha netinha ta tão pequenininha. Fica parado pra foto, ok!
Se algum deles realmente entrasse no quarto naquele momento, só iam me chamar de louca e me mandariam sair daquele chão sujo.
Na cozinha estava toda a família. Minha mãe comia um melão. Minha avó tomava café com leite e minha irmã brigava com o namorado.
- Bom dia família!
- Estranha!
- Normal, Raquel!
- Cadê o uniforme garota?
- Hoje decidi ir sem!
- Vá colocar o uniforme!
- Ok!
Primeira aula, Filosofia. Professor substituto (a bruxa pegou dengue). Era um cara novo, jovem, talvez no primeiro emprego. Tinha cara de filósofo de bar. Talvez ele tivesse uma namorada ou uma noiva e estivesse juntando dinheiro para casar. Talvez ele fosse gay. Ou só mais um moralista, estagiário, último ano da faculdade, trocado por um professor de educação física.
Simpatizei com esse professor novo. Mas não me iludi. Já tinha acontecido antes, com outros professores novos: eu ia com a cara deles enquanto imaginava como seriam suas vidas, e, assim que descobria algo real sobre eles, a simpatia despencava, todos eram os mesmos, só alguns poucos eram diferentes, para pior.
Virei pra Fabiana (amiga mais inteligente que eu).
-Quando esse aí tava na escola, será que tinha cara de que ia ser professor de filosofia?
-True Story
Fabiana também tinha acordado de bom humor.
Que dia estranho
A manhã passou “voando”.
De tarde, Educação Física. Eu gostava da Educação Física, mas normalmente preferia quebrar o pé. Naquele dia é que não. Eu disse, era um dia, sei lá, estranho. Mas meu professor não se convenceu disso, fiquei no banco. Sempre fui péssima em vôlei.
- Mas hoje eu quero, droga! Estou cheia de vontade!
- Senta, Bommie!
- Maldito!
Dois períodos. Uma hora e quarenta minutos sentada.
E desanimei? Não, não naquele dia.
Minha amiga passava por mim suando. Numa dessas, parou na minha frente, apoiou as mãos na coxa, ofegante:
- Tá com sorte, hein? Que foi, fez amizade com o professor?
- É.
Fiquei com vergonha de dizer que gostaria de estar no lugar dela, jogando, suando. De repente marcar um ponto, porque não? Fiquei apenas nisso: “É”. Respondi sem encarar, olhando o jogo. Se eu mesma não entendia, ninguém ia entender.
Saí do ginásio sem saber pra onde ir. Não queria voltar para casa. Era necessário fazer alguma coisa. Parece estranho falar em “necessidade”, mas era.
“Di lindo. Vou pegar um ônibus e ir até o fim da linha”
Sempre odiei cheiro de automóveis e nunca reparei o dia.
No meio da tarde os ônibus são folgados. Consegui um banco só para mim, quase lá no fundo.sá no fundo.
Nos três bancos a minha frente não tinha ninguém. No outro , uma velhinha de cabelo roxo, depois uma guria oxigenada, depois ninguém, ninguém, dois marginais, ninguém, ninguém, o motorista.
Nunca vi um relógio tão grande quanto o do motorista, e na mão direita. O cara devia chegar em casa exausto. Imagina passar o dia erguendo aquele peso todo na mudança de marchas.
O braço esquerdo devia ser bem mais fino, mas dali eu não enxergava. E se fosse mesmo, o cara andava mais pesado pro lado direito, quase mancando... Ah, chega.
Nas duas primeiras paradas ninguém desceu. Olhei para o cobrador e ele bocejava. Bocejei também, é contagioso. Se eu fosse cobrador, ia viver errando o troco, ia viver dormindo.
Sabe como é, sentado, um sacolejo... Segundo ano, os outros já pensavam em vestibular. Eu ainda não, mas agora estava decidindo: não faria vestibular para cobrador de ônibus.
Meia hora, quarenta minutos, desceu gente, subiu gente. Dos “originais”, só eu.
Então o ônibus passou de tudo o que eu conhecia, e daí era um mundo novo, uma aventura. O número de prédios foi diminuindo, o de casas aumentando, as ruas bonitinhas, enfim, um mundo novo e inexplorado.
“Nossa, um fantástico mundo novo e inexplorado, eu sou uma avetureira”. Ou seria, se descesse do ônibus em vez de ficar olhando tudo pela janela.
Mas, também, descer pra quê? Eram casas e, ruas que eu nunca tinha visto, mas eram casas e ruas! Eu só queria chegar ao fim da linha.
Por que? Seilá, não me perguntei. Foi só um passatempo, estava muito inquieta para voltar pra casa depois da educação física. Como estava inquieta desde que acordei, você sabe.
Chegamos ao fim da linha.
O motorista e o cobrador desceram e esticaram as pernas.
Voltamos ao centro.
...
Eu estava me sentindo pronta para voltar pra casa. Aquela sensação estranha não tinha passado completamente, mas não me impedia mais de voltar. Eu tinha muito que fazer em casa, e mais ainda o que não fazer (o ócio tem muito mais graça quando é ativo).
Eu tinha que pegar outro ônibus para nosso bairro, e a simples espera no terminal me deixou irritada. Acho que não parei ali nem cinco minutos. “Vou a pé”, decidi. Ainda olhei pros lados, pensando, escolhendo, voltar pelo caminho mais longo era uma idéia a se considerar.
Saí pelo mais curto, era longo o suficiente. “Este me chega, é segunda – feira ”, eu pensei, sem entender na hora e nem agora.
Fui andando, andando, andando...
Tédio.
“Vou contar os prédios altos, com mais de dez andares.”
Um. Dois. Cinco. Oito...
Tédio.
“Vou contar os carros pretos.”
Três. Quatro. Sete. Onze...
Tédio
“As pessoas.”
Ah, não dava, eram muitas. Tinha que parar para contar e, parado, vinha aquele tédio (e desse jeito não chegaria em casa nunca).
Seis quarteirões e passei pelo edifício onde trabalhava o meu pai. Prédio só de escritórios, doze andares, todo de vidro. A firma do meu pai, quer dizer, na que ele trabalhava, era no décimo andar.
Eu já tinha ido lá algumas vezes. Era bom ver a cidade lá de cima, dava para ver quase toda, como se a gente estivesse voando.
“Vou subir.”
Dos três elevadores, um estava em manutenção, o do meio.
Tinha uma faixa amarela atada em dois pedestais, tipo barreira da polícia para isolar o local do crime. Os outros dois estavam ocupados, em andares altos. Apertei o botão e fiquei esperando.
Era só eu esperando. Olhei para o vigilante, na porta. Esse cara trabalhava ali fazia tempo, eu o conhecia, assim, “de vista”. Mas não cumprimentei, não sabia se ele também me conhecia, “de vista”.
Ele me olhou, não mostrava os dentes. Me olhou por um tempinho. Vai ver me conhecia , mas não me cumprimentou; deve ter pensado que eu não me lembrava dele, ou nunca tinha reparado nele. Que stress.
O elevador da esquerda chegou. Saíram quatro pessoas. Eu entrei. Sozinha.
Doze andares, doze botões para escolher. Que pena, se tivesse treze, eu apertaria no décimo terceiro, só pra experimentar. Dizem que em Nova Iorque os elevadores não tem o botão do décimo terceiro. Foi lembrando disso que lamentei não ter um décimo terceiro andar ali no prédio do meu pai. Se naquele momento eu estivesse andando na rua e encontrasse uma escada aberta na calçada, passaria por baixo. Se visse um gato preto na calçada do outro lado, era capaz de atravessar a rua. Assim por diante.
- Oi, Bommie.
Era a moça da primeira mesa. Trabalhava (e pegava meu pai nas horas vagas) na firma há pouco tempo. Devia ter me visto umas duas vezes, no máximo. Eu não lembrava o nome dela. Mas ela sabia o meu. Que chato. Podia ser bonitinha se não usasse aqueles óculos com lentes grossas e meio verdes. Se não tivesse aquele cabelo. Se usasse umas roupas menos bregas, se... Tá, ela podia ser bonitinha, mas não era.
- Bommie, que tal?
Era o seu Alfredo, o mais velho de todos, o mais antigo no escritório, até a mesa dele era velha. Sempre me cumprimentava assim, com esse “que tal”, coisa da fronteira, alguma relação com os uruguaios, eu acho.
- Seu pai saiu – disse o carinha da terceira mesa.
“Eu não sou cega, estou vendo a mesa dele vazia.”
- Ele saiu – o cara falou de novo, acho que porque eu não tinha respondio e estava olhando a mesa do meu pai sem falar nada.
- O seu pai...
- Tudo bem – eu falei antes que o imbecil repetisse e que eu pulasse nele e o enchesse de socos. – Tudo bem, eu vou esperar.
Fui até a janela. Legal, a cidade lá embaixo, eu ali em cima. Dava para ver até onde eu tinha ido de ônibus, o fim da linha. Puxa, era longe, que volta. Fui, voltei, agora estava indo e voltando outra vez, com o olhar. Indo e voltando. Indo e voltando. Centro, fim da linha. Fim da linha, centro. Indo e...
“Chega!”
Dois, três minutos, eu acho, e nada do meu pai.
- Tchau imbecil, tchau seu castelhano, tchau feiosa... Tchau elevador com doze botões, custava ter mais um? Tchau seu vigilante, lembra de mim?
...
Voltei pra casa de ônibus. Contei todos os semáforos que estavam no verde. Tá, acabei contando também os vermelhos, para comparar.
Dia estranho. Acho que eu nunca fiz tanta coisa num dia só. Tentei contar quantas coisas eu fiz, mas não conseguia. Começava comigo pulando da cama, deitando no chão, vendo as coisas como um inseto... formiga.
Depois no centro, escritório do meu pai, centro, fim da linha, centro. Mais um sinal vermelho. Dois verdes. Vermelho. Vermelho. Verde.
Quatro postes entre a parada e o nosso condomínio.
- Oi, mana. Oi, mãe.
Não ouviu se me responderam, passei correndo, acho que pisei em umas formigas.
Deitei na minha cama, primeiro sossego do dia às seis horas da tarde.
Pensar cansa.
Gêneros: Ficção e Fantasia
Aviso legal
Todos os personagens desta história são de minha propriedade intelectual, sendo vedada a utilização por outros autores sem minha prévia autorização.
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Capítulo 1 - Capítulo único
Hoje acordei me sentindo estranhamente bem. Segunda - feira e eu cheia de energia. Será que estava doente?
Antes do despertador, pulei da cama. Ou melhor, me joguei no chão. Era frio, mas nem me importei.
Fiquei observando o teto do meu quarto lá de baixo (ficar deitada no chão não era coisa que eu fazia toda hora), e ele me pareceu estranho. Era como se eu fosse uma criatura minúscula, olhando tudo lá de baixo.
- Bommie, o que você ta fazendo aí nesse chão frio, minha filha?
-Eu sou uma formiga mamãe. Cuidado para não me pisotear!
- Vou chamar a sua avó pra tirar uma foto, vem cá. A Bom se transformou num inseto!
- Formiga!
- Que seja! Menina, não deixa a cachorra lamber sua boca, Clarinhaa, para! Raquel venha ver sua irmã inseto!
- Sou uma formiga, Mãe!
- Oh, minha netinha ta tão pequenininha. Fica parado pra foto, ok!
Se algum deles realmente entrasse no quarto naquele momento, só iam me chamar de louca e me mandariam sair daquele chão sujo.
Na cozinha estava toda a família. Minha mãe comia um melão. Minha avó tomava café com leite e minha irmã brigava com o namorado.
- Bom dia família!
- Estranha!
- Normal, Raquel!
- Cadê o uniforme garota?
- Hoje decidi ir sem!
- Vá colocar o uniforme!
- Ok!
Primeira aula, Filosofia. Professor substituto (a bruxa pegou dengue). Era um cara novo, jovem, talvez no primeiro emprego. Tinha cara de filósofo de bar. Talvez ele tivesse uma namorada ou uma noiva e estivesse juntando dinheiro para casar. Talvez ele fosse gay. Ou só mais um moralista, estagiário, último ano da faculdade, trocado por um professor de educação física.
Simpatizei com esse professor novo. Mas não me iludi. Já tinha acontecido antes, com outros professores novos: eu ia com a cara deles enquanto imaginava como seriam suas vidas, e, assim que descobria algo real sobre eles, a simpatia despencava, todos eram os mesmos, só alguns poucos eram diferentes, para pior.
Virei pra Fabiana (amiga mais inteligente que eu).
-Quando esse aí tava na escola, será que tinha cara de que ia ser professor de filosofia?
-True Story
Fabiana também tinha acordado de bom humor.
Que dia estranho
A manhã passou “voando”.
De tarde, Educação Física. Eu gostava da Educação Física, mas normalmente preferia quebrar o pé. Naquele dia é que não. Eu disse, era um dia, sei lá, estranho. Mas meu professor não se convenceu disso, fiquei no banco. Sempre fui péssima em vôlei.
- Mas hoje eu quero, droga! Estou cheia de vontade!
- Senta, Bommie!
- Maldito!
Dois períodos. Uma hora e quarenta minutos sentada.
E desanimei? Não, não naquele dia.
Minha amiga passava por mim suando. Numa dessas, parou na minha frente, apoiou as mãos na coxa, ofegante:
- Tá com sorte, hein? Que foi, fez amizade com o professor?
- É.
Fiquei com vergonha de dizer que gostaria de estar no lugar dela, jogando, suando. De repente marcar um ponto, porque não? Fiquei apenas nisso: “É”. Respondi sem encarar, olhando o jogo. Se eu mesma não entendia, ninguém ia entender.
Saí do ginásio sem saber pra onde ir. Não queria voltar para casa. Era necessário fazer alguma coisa. Parece estranho falar em “necessidade”, mas era.
“Di lindo. Vou pegar um ônibus e ir até o fim da linha”
Sempre odiei cheiro de automóveis e nunca reparei o dia.
No meio da tarde os ônibus são folgados. Consegui um banco só para mim, quase lá no fundo.sá no fundo.
Nos três bancos a minha frente não tinha ninguém. No outro , uma velhinha de cabelo roxo, depois uma guria oxigenada, depois ninguém, ninguém, dois marginais, ninguém, ninguém, o motorista.
Nunca vi um relógio tão grande quanto o do motorista, e na mão direita. O cara devia chegar em casa exausto. Imagina passar o dia erguendo aquele peso todo na mudança de marchas.
O braço esquerdo devia ser bem mais fino, mas dali eu não enxergava. E se fosse mesmo, o cara andava mais pesado pro lado direito, quase mancando... Ah, chega.
Nas duas primeiras paradas ninguém desceu. Olhei para o cobrador e ele bocejava. Bocejei também, é contagioso. Se eu fosse cobrador, ia viver errando o troco, ia viver dormindo.
Sabe como é, sentado, um sacolejo... Segundo ano, os outros já pensavam em vestibular. Eu ainda não, mas agora estava decidindo: não faria vestibular para cobrador de ônibus.
Meia hora, quarenta minutos, desceu gente, subiu gente. Dos “originais”, só eu.
Então o ônibus passou de tudo o que eu conhecia, e daí era um mundo novo, uma aventura. O número de prédios foi diminuindo, o de casas aumentando, as ruas bonitinhas, enfim, um mundo novo e inexplorado.
“Nossa, um fantástico mundo novo e inexplorado, eu sou uma avetureira”. Ou seria, se descesse do ônibus em vez de ficar olhando tudo pela janela.
Mas, também, descer pra quê? Eram casas e, ruas que eu nunca tinha visto, mas eram casas e ruas! Eu só queria chegar ao fim da linha.
Por que? Seilá, não me perguntei. Foi só um passatempo, estava muito inquieta para voltar pra casa depois da educação física. Como estava inquieta desde que acordei, você sabe.
Chegamos ao fim da linha.
O motorista e o cobrador desceram e esticaram as pernas.
Voltamos ao centro.
...
Eu estava me sentindo pronta para voltar pra casa. Aquela sensação estranha não tinha passado completamente, mas não me impedia mais de voltar. Eu tinha muito que fazer em casa, e mais ainda o que não fazer (o ócio tem muito mais graça quando é ativo).
Eu tinha que pegar outro ônibus para nosso bairro, e a simples espera no terminal me deixou irritada. Acho que não parei ali nem cinco minutos. “Vou a pé”, decidi. Ainda olhei pros lados, pensando, escolhendo, voltar pelo caminho mais longo era uma idéia a se considerar.
Saí pelo mais curto, era longo o suficiente. “Este me chega, é segunda – feira ”, eu pensei, sem entender na hora e nem agora.
Fui andando, andando, andando...
Tédio.
“Vou contar os prédios altos, com mais de dez andares.”
Um. Dois. Cinco. Oito...
Tédio.
“Vou contar os carros pretos.”
Três. Quatro. Sete. Onze...
Tédio
“As pessoas.”
Ah, não dava, eram muitas. Tinha que parar para contar e, parado, vinha aquele tédio (e desse jeito não chegaria em casa nunca).
Seis quarteirões e passei pelo edifício onde trabalhava o meu pai. Prédio só de escritórios, doze andares, todo de vidro. A firma do meu pai, quer dizer, na que ele trabalhava, era no décimo andar.
Eu já tinha ido lá algumas vezes. Era bom ver a cidade lá de cima, dava para ver quase toda, como se a gente estivesse voando.
“Vou subir.”
Dos três elevadores, um estava em manutenção, o do meio.
Tinha uma faixa amarela atada em dois pedestais, tipo barreira da polícia para isolar o local do crime. Os outros dois estavam ocupados, em andares altos. Apertei o botão e fiquei esperando.
Era só eu esperando. Olhei para o vigilante, na porta. Esse cara trabalhava ali fazia tempo, eu o conhecia, assim, “de vista”. Mas não cumprimentei, não sabia se ele também me conhecia, “de vista”.
Ele me olhou, não mostrava os dentes. Me olhou por um tempinho. Vai ver me conhecia , mas não me cumprimentou; deve ter pensado que eu não me lembrava dele, ou nunca tinha reparado nele. Que stress.
O elevador da esquerda chegou. Saíram quatro pessoas. Eu entrei. Sozinha.
Doze andares, doze botões para escolher. Que pena, se tivesse treze, eu apertaria no décimo terceiro, só pra experimentar. Dizem que em Nova Iorque os elevadores não tem o botão do décimo terceiro. Foi lembrando disso que lamentei não ter um décimo terceiro andar ali no prédio do meu pai. Se naquele momento eu estivesse andando na rua e encontrasse uma escada aberta na calçada, passaria por baixo. Se visse um gato preto na calçada do outro lado, era capaz de atravessar a rua. Assim por diante.
- Oi, Bommie.
Era a moça da primeira mesa. Trabalhava (e pegava meu pai nas horas vagas) na firma há pouco tempo. Devia ter me visto umas duas vezes, no máximo. Eu não lembrava o nome dela. Mas ela sabia o meu. Que chato. Podia ser bonitinha se não usasse aqueles óculos com lentes grossas e meio verdes. Se não tivesse aquele cabelo. Se usasse umas roupas menos bregas, se... Tá, ela podia ser bonitinha, mas não era.
- Bommie, que tal?
Era o seu Alfredo, o mais velho de todos, o mais antigo no escritório, até a mesa dele era velha. Sempre me cumprimentava assim, com esse “que tal”, coisa da fronteira, alguma relação com os uruguaios, eu acho.
- Seu pai saiu – disse o carinha da terceira mesa.
“Eu não sou cega, estou vendo a mesa dele vazia.”
- Ele saiu – o cara falou de novo, acho que porque eu não tinha respondio e estava olhando a mesa do meu pai sem falar nada.
- O seu pai...
- Tudo bem – eu falei antes que o imbecil repetisse e que eu pulasse nele e o enchesse de socos. – Tudo bem, eu vou esperar.
Fui até a janela. Legal, a cidade lá embaixo, eu ali em cima. Dava para ver até onde eu tinha ido de ônibus, o fim da linha. Puxa, era longe, que volta. Fui, voltei, agora estava indo e voltando outra vez, com o olhar. Indo e voltando. Indo e voltando. Centro, fim da linha. Fim da linha, centro. Indo e...
“Chega!”
Dois, três minutos, eu acho, e nada do meu pai.
- Tchau imbecil, tchau seu castelhano, tchau feiosa... Tchau elevador com doze botões, custava ter mais um? Tchau seu vigilante, lembra de mim?
...
Voltei pra casa de ônibus. Contei todos os semáforos que estavam no verde. Tá, acabei contando também os vermelhos, para comparar.
Dia estranho. Acho que eu nunca fiz tanta coisa num dia só. Tentei contar quantas coisas eu fiz, mas não conseguia. Começava comigo pulando da cama, deitando no chão, vendo as coisas como um inseto... formiga.
Depois no centro, escritório do meu pai, centro, fim da linha, centro. Mais um sinal vermelho. Dois verdes. Vermelho. Vermelho. Verde.
Quatro postes entre a parada e o nosso condomínio.
- Oi, mana. Oi, mãe.
Não ouviu se me responderam, passei correndo, acho que pisei em umas formigas.
Deitei na minha cama, primeiro sossego do dia às seis horas da tarde.
Pensar cansa.
Última edição por Bommie em 14/4/2013, 19:22, editado 1 vez(es)